Elas por elas
Para desconstruir a objetificação de seus corpos, as mulheres estão mais unidas do que nunca e propõem uma nova imagem para si.
De dentro para fora
Neste ano, a maquiagem começou a ganhar novos significados, tornando-se mais inclusiva e divertida.
Corpo político
Uma das barreiras mais antigas e preconceituosas da história da moda começa a ter rachaduras: será que o fim da obsessão pela magreza está chegando?
A mais recente Semana de Moda de Nova York também mostrou algumas mudança neste ano. Comparando com os eventos europeus, é lá que a mobilização parece acontecer com mais força quando o assunto é corpo. Prabal Gurung passou a colocar mais diversidade na passarela e fez declarações potentes, apontando para companheiros de indústria, como quando atestou que não teremos um mundo fashion justo enquanto marcas de luxo como a Prada só escalarem meninas magérrimas para suas apresentações. Ele está certo, e Christian Siriano concorda 100%. Não é de hoje que o jovem vencedor da quarta temporada do reality show Project Runway vem tentando mudar essa realidade.
Segundo ele, seria arriscado fazer tamanhos maiores do que a grade convencional porque as peças poderiam encalhar nas araras representando, assim, um grande déficit nas próximas temporadas. Ele, no entanto, decidiu se arriscar. O resultado? O designer está abrindo cada vez mais lojas em bairros de prestígio fashion como Manhattan, em Nova York. #AturaOuSurta!
Por aqui, uma reportagem especial contou tudo sobre o movimento Body Neutrality, uma nova ideia que foi representada a partir da relação de oito meninas com seus corpos. Considerando que amar tudo o que o mundo inteiro disse que está errado em você pode ser uma cobrança insustentável para algumas garotas, o movimento chega na tentativa de relativizar a proporção que damos à nossa imagem corporal em prol da saúde mental. Conheça as histórias de Mirian, Kiyomi, Bia, Amanda, Fernanda, Jussara, Nina e Ana e dê o start em uma nova (e menos estressante) relação com o espelho.
A pele que resiste
Finalmente, o nude não é mais um cor-de-rosa clarinho. A moda está começando a entender que precisa pagar a conta de seu próprio racismo.
A falta de representatividade é um problema estrutural que a moda ignorou por muito tempo. Vozes como as da supermodel Naomi Campbell e do editor de moda Edward Enninful sempre existiram, mas hoje ganharam outras proporções e aliadas. Uma das mudanças mais interessantes que aconteceu durante o ano foi, finalmente, o entendimento do real significado da palavra “nude”. O termo que já foi definido por dicionários como um cor-de-rosa clarinho com um fundo avermelhado fala, de fato, sobre um efeito de nudez.
Prova disso são os 40 tons de base da Fenty Beauty de Rihanna, marca que deu um show de representatividade no mercado de beleza desde que foi lançada, e marcou uma revolução da indústria. A cantora, além de arrasar nos palcos, também conquistou o seu espaço na moda por meio da Fenty X Puma, que voltou a Nova York na última temporada. Já reparou no casting? Em geral, a popstar aposta em maioria negra, obviamente.
A NYFW, inclusive, parece estar aprendendo a lição. Nesta última temporada, todos os desfiles tinham modelos não-brancas na passarela, um passo necessário, mas ainda muito pequeno. Por aqui, apresentações-manifesto marcaram a Casa de Criadores, como a da Cemfreio, no começo do ano, pedindo liberdade a Rafael Braga. Isaac Silva, por sua vez, convidou vozes do movimento negro para estrelar em sua passarela, além de uma coleção que recuperava tramas e cores ligadas à sua ancestralidade. Já o Brechó Replay, por meio de um musical de três atos, deixou claro a que veio: passar a mensagem de que, se unidas, as minorias são mais fortes e precisam ter suas demandas atendidas.
No São Paulo Fashion Week, quem dá a letra há três temporadas é Emicida e seu irmão Evandro Fióti ao continuar desenvolvendo a história que começaram em sua estreia no maior evento de moda do Brasil. Desta vez, a LAB falou sobre alçar vôo depois de já ter conquistado o seu espaço no SPFW, e Victor Apolinário fechou o evento com uma coleção construída de forma colaborativa.
A dança das cadeiras
Como 2017 continuou a chacoalhar os cargos mais altos do mundo fashion.
Além disso, Christopher Bailey que, por um tempo, até foi CEO da Burberry, também deu adeus à direção criativa da marca. Por lá, ele reinventou o trench coat de mil maneiras, ao mesmo tempo em que, na medida do possível catapultou talentos britânicos em suas campanhas. Na última temporada, uma colaboração com o russo Gosha Rubchinskiy já deu uma ideia do que vem por aí. Pelo visto, uma bela guinada ao esportivo e ao urbano.
O mesmo aconteceu com o italiano Massimo Giorgetti na Pucci. Em pouco tempo no comando da histórica casa que ficou conhecida por suas estampas e pelo lifestyle luxuoso, sua visão modernista não foi tão bem compreendida e ele acabou saindo de lá. Ainda em solo milanês, temos o caso Ferragamo que contratou um designer para cada setor da grife no começo do ano e depois desistiu de tudo para apostar todas as suas fichas em Paul Andrew. Por fim, temos a nova Marni que, sem as talentosas mãos de Consuelo Castiglioni, segue tentando encontrar uma nova personalidade.
Em meio ao cenário de crise, algumas marcas andam na contramão. É o caso da Louis Vuitton de Nicolas Ghesquière que apresentou, neste verão 2018, uma de suas melhores coleções para a marca desde que entrou lá. O esportivo millennial encontra os fraques da monarquia num mix de passado e futuro que fez as editoras de moda do mundo todo aplaudirem. Vale também destacar o modelo da Calvin Klein de Raf Simons que aposta na arte e no pensamento crítico como saída para esse tempos obscuros. Trabalhando ao lado do artista plástico norte-americano Sterling Ruby e em colaboração com o arquivo de diversos criativos que moldaram a cultura dos Estados Unidos, o designer consegue repensar o “American Way of Life” ao mesmo tempo em que cria objetos de desejo.
A experiência do desfile também está mudando. Exemplo disso foi a performance proposta pelo francês Jacquemus, em Marselha. O local também fala e, não à toa, os cenários estão cada vez mais importantes. Traçar uma conversa entre a roupa que está na passarela e o que está a sua volta é uma estratégia que as etiquetas de luxo adotam com muita ênfase, principalmente nas coleções Resort. Quem lembra de Vuitton no Japão, Gucci em Florença, e por aí vai…
Por aqui, a Casa de Criadores prova que alcançou a sua maturidade e, ao comemorar 20 anos, renovou seu calendário com nomes talentosos. É o caso de Martins.Tom, Another Place e Cartel 011 que fizeram bonito na passarela do evento. Já no SPFW, a diversidade continua em pauta. Prova disso são os desfiles inclusivos de Ronaldo Fraga e da LAB, de Emicida e Evandro Fióti.
Ponto de Impacto
Depois de previsões assustadoras, iniciativas transformadoras começam a surgir e os consumidores entendem que a responsabilidade também está em suas mãos
A importância do nosso poder de consumo ficou evidente em 2017 porque ele pode definir a postura de algumas marcas em relação ao que é produzido. Nesse sentido, pudemos ver a confirmação de uma tendência que já vinha caminhando desde janeiro, quando a preocupação com a sustentabilidade causou queda no lucro de empresas como a H&M. Há uma semana, descobrimos que a mesma marca teve queda de 35% nos ganhos, e a Zara, que antes parecia blindada da crise mundial, também declinou em 4.5%, sua menor margem de lucro desde 2008. Outra prova disso é o crescimento da tecnologia de tecidos. Pressionadas, as marcas descobriram como criar melhores peles fake e até uma versão mais sustentável da imitação do couro.
A postura de alguns designers também foi importante nesse sentido, mostrando que o problema não depende apenas das gigantes do fast fashion. Stella McCartney, usando plástico dos oceanos, clicando sua campanha em um aterro sanitário e Vivienne Westwood com seu apelo para que a gente não compre nada definitivamente lideraram essa conversa na moda internacional.
Outras empresas que são conhecidas por não serem muito sustentáveis estão buscando formas de mudar de postura já que o assunto é uma tendência mundial. Neste ano, a Victoria’s Secret criou uma política sustentável para seus tecidos e a própria H&M apresentou uma coleção de festa 100% reciclada. Vale lembrar, no entanto, que não existem iniciativas solitárias que anulem de modo suficiente o impacto da produção esperada de bilhões e bilhões de camisetas (como contou a primeira previsão). Em suma, ainda vivemos em um modo de consumo no qual a produção desenfreada termina com roupas no lixo.
Numa tentativa de elucidar essa questão, a C&A criou uma linha de camisetas recicláveis baseadas na economia circular que, caso devidamente descartadas, se decompõe sem deixar resíduos. Mas é preciso lembrar que qualquer atitude sobre descarte precisa ter boa explicação para o consumidor, já que a decomposição não acontece em meio aos lixões, mas sim com uma técnica específica. No mundo da maquiagem e dos cosméticos, a Lush recriou seus produtos queridinhos sem embalagem.
Dois mil e dezessete também foi o ano em que pensamos na cadeia de moda como um todo. Fizemos uma pergunta essencial: afinal, a moda é responsável por sua cadeia de fornecedores? Essa questão dá a abertura para que entendamos o que realmente acontece quando lemos notícias que explicitam que alguma empresa tem relação com fornecedores que lucram com pessoas trabalhando em condições análogas à escravidão. A resposta é a seguinte: a empresa pode não saber de tudo o que acontece (já que seus fornecedores chegam aos milhares, oferecendo desde ilhoses das roupas até peças inteiras), mas mesmo que ela não consiga rastrear toda sua cadeia, deve fazer o máximo para pressionar seus fornecedores e agir de forma adequada quando um desses episódios é descoberto, em geral, pela mídia. Sem essa pressão e essa responsabilidade (que pode acontecer inclusive junto com o governo de cada país), é difícil acreditar que as coisas vão mudar, pois esse infeliz e indigno esquema de trabalho possibilita uma maior margem de lucro.
No Brasil, a discussão tem ficado cada vez mais presente com semanas e datas dedicadas a repensar tudo isso — como a Fashion Revolution Week, o Projeto Gaveta, e a Brasil Eco Fashion Week, a primeira semana de moda nacional dedicada à moda sustentável.
Para 2018, além de muitas perguntas a serem respondidas, fica principalmente a necessidade da disseminação de um dos pensamento mais importante de toda essa discussão: as roupas não surgem magicamente nas prateleiras das lojas — e isso também vale para marcas de luxo. Existem muitas pessoas e recursos por trás do que levamos para casa. O esquema fast fashion teve um ponto de partida — mas ele não foi o primeiro sistema de consumo da moda e não precisa ser o último, esgotando todos os recursos naturais não-renováveis. Este ano mostrou que sim, vale se perguntar se é possível ser feliz com seis peças de roupas.
Fonte: Elle Brasil.